Publicado originalmente no Jornal Folha da Terra. Sábado, 25 de agosto de 2018. Edição n° 931.
Sempre achei muito interessante as pessoas com poder de síntese.
Vou explicar melhor: seres humanos com capacidade de dizer muitas coisas com poucas palavras.
Isso é uma arte adquirida pelos livros ou pela vida. Amigos leitores do Jornal Folha da Terra o mote deste artigo é sobre um fato – aparentemente comum – que me chamou a atenção.
Acabei meu almoço por volta das 14h30 – em cidade pequena nem sempre você quer ficar acenando para todos até chegar às bandejas do “self-service”. Neste horário não tem quase ninguém. Como de forma tranquila sem me preocupar com quem está do meu lado e mais tarde reclamarem: “poxa, você não me viu…”
Findo o almoço, paguei a conta tomando meu cafezinho de sempre. Bem devagar e degustando o “ouro preto”, como era chamado este símbolo de riqueza do império do Brasil, vi uma senhora que devia ter mais de 70 anos fazer um comentário com sua amiga que me marcou: “Hoje os carros são todos iguais, todos cinzas, brancos e pretos. Não tem mais carro colorido, que coisa chata!”
Eu ouvi esta senhora – meu ouvido dizem que é de tuberculoso – comentando com a sua amiga e não pude me conter: “É verdade, nossas cidades precisam de mais cores, chega de carro igual”.
É claro que existem carros coloridos.
Ela, eu e você leitor/ra, sabemos disso. Mas quero arrumar um problema, melhor dizendo, quero problematizar esta fala. O sistema no qual estamos inseridos procura padronizar as cores, a vida e os costumes das pessoas, etc. A mídia além de informar ela também “forma”, ou seja, ela veicula propagandas e, aos poucos, tudo vai entrando em nossa cabeça, sem percebermos. Óbvio que tal reflexão que propomos aqui não é nova. Estamos apenas dando exemplos. Veremos.
Dois autores alemães já trataram desse tema. Theodor Wiesegrund Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973) eram amigos e intelectuais. Os dois, juntos, escreveram um livro chamado “Dialética do Esclarecimento”. Esses pensadores batiam, justamente, nesta tecla e isso foi em 1947, ano de publicação do livro, dois anos apenas do fim de uma das maiores desgraças de todos os tempos – a II Guerra Mundial. (1939-1945).
Nesta obra falavam de uma tal de “indústria cultural”. Provavelmente você já deve ter ouvido falar disso.
Este termo é mais uma forma do capitalismo se demonstrar. Essa repetição de tudo, ou quase isso, onde as mercadorias e pensamentos parecem iguais – o que muitos chamam de moda – na verdade é a indústria cultural. “Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança”, afirmavam os autores. Em outra passagem dissertavam sobre os efeitos negativos de tal indústria: “A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente”. Em outra passagem, sintetizam: “O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural.”
Os amigos Adorno e Horkheimer estavam certos. A senhorinha muito simpática no restaurante também. Talvez ela nunca tenha tido contato com estas obras de sociologia ou filosofia, mas a sua capacidade de enxergar as coisas, não como elas se apresentam, mas talvez em sua essência, seja fundamental. Como diz uma frase atribuída ao poeta francês Victor Hugo “toda idade tem seu prazer e sua dor”. A “dor”, o incômodo daquela senhora em perceber as coisas como são transformou-se em meu “prazer”. Sua idade e experiência proporcionaram este poder de síntese.
Precisamos questionar, refletir, pois chega de cinza (nada contra esta cor).
Amigos leitores, termino aqui mais uma reflexão contemporânea. Estou com pressa, pois vi uma propaganda nova na TV de um “smartphone” e preciso ir correndo à loja, antes de acabar a promoção que vai me conferir “status” onde vários dirão: nossa que celular legal…
Professor, mestre e doutor em História pela UERJ.
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